30.1.17

O fim do homem soviético (segunda parte)

Mergulhar na alma soviética, ouvindo histórias da grande História, é suportável enquanto somos simples voyeurs desse passado. O problema é quando o passado parece confundir-se com o presente e anunciar um futuro sem retorno, não o do vizinho, mas o nosso futuro. Fica um arrepio, uma sensação de déjà-vu….




O fim do homem soviético - Um tempo de desencanto revela um povo que não foi ensinado a viver na liberdade e na felicidade (partindo do princípio de que a liberdade e a felicidade são duas faces da mesma moeda), ao contrário do ocidental, que vive convicto de que os seus direitos fundamentais estão garantidos.


No Ocidente, Gorbatchov é visto como um herói, o homem que libertou a União Soviética, que acabou com a Guerra Fria e, por oposição, Putin é o monstro, o novo Estaline. Mas o que é desconcertante é perceber que os antigos soviéticos lamentam o fim de um sonho e da esperança, que acusam Gorbatchov, Boris Ieltsin e outros governantes da Perestroika de lhes ter dado a liberdade sem a felicidade que fora prometida. O que fazer com a liberdade quando não sabemos o que fazer com ela, quando ser livre é viver sem orgulho, sem dignidade, sem emprego, sem valores em que acreditar? O que fazer quando a infelicidade está na própria alma?

Hoje, antigos soviéticos e jovens russos estão desencantados com a nova Rússia, com o capitalismo que não preencheu o vazio que ficou depois do Comunismo. A liberdade que prometia felicidade, afinal, trouxe saudades de um tempo de glória e orgulho numa Pátria temida no mundo inteiro e em que o homem soviético se sabia um ser superior. Por isso repudiam o capitalismo, veneram Putin, revendo nele um novo Estaline, capaz de devolver à Rússia a sua glória.


Não deixo de ver semelhanças com algumas vozes portuguesas daqueles que viveram durante o Estado Novo e que, apesar de terem conhecido a miséria, alimentam a saudade de tempos em que não havia os muito ricos e os muito pobres. Contam fome, doença, trabalho de sol a sol, sobrevivência, medo, mas também lembram solidariedade e igualdade no sofrimento e nas privações, lembram a luta do dia a dia, lembram a fé consoladora num Deus que os punha à prova, sem os castigar.

Vivências de homens e mulheres que cresceram no horror, em regimes totalitários e a quem foi negada a liberdade. No entanto, o mais surpreendente é a capacidade do homem em sobreviver, sedento sempre de acreditar em algo que faça sentido, de preencher a vida com uma utopia, uma religião, uma paixão … e alguém (Marine Le Pen? Putin? Donald Trump?) lhes promete esse sonho… e a História repete-se… Subida do populismo…

Terá chegado o fim do homem soviético?


Cristina Gomes

Sem comentários:

Enviar um comentário