28.12.14

Filme N€B do ano

É bastante raro um filme ser melhor que o livro que lhe serviu de argumento, mas no caso do nosso melhor filme do ano foi justamente isso que aconteceu.

O Lobo de Wall Street parte das memórias de Jordan Belford, um artista que sobe de medíocre vendedor de bugigangas a patrão multimilionário de uma corretora responsável por IPOs, graças à capacidade para vigarizar néscios a quem enfiava ações pelas goelas abaixo como se fossem pílulas para a suprema felicidade. Belford não falha nenhum dos mandamentos da arte da intrujice, começando por uma escolha sensata das vítimas (ricos e ignorantes), passando por um trabalho perfeito em termos de promoção (foram vendidas no mercado, como grandes empresas, escolas de judo ou vendedores ambulantes de sapatos), não esquecendo o clássico pump and dump, manigância que consiste em encher as cotações no pós-IPO, até se abrir o apetite da lorparia, para depois despejar a farta-burros colhendo os lucros (a estratégia global pode ser consultada aqui). Nos tempos áureos, a Stratton Oakmont, liderada por Belford, tinha mais de 1000 corretores de bolsa e o dinheiro jorrava ao mesmo ritmo a que se sucediam os excessos que o livro relata em pormenor, mas que o filme apresenta de uma forma bem mais hilariante.

livro lê-se com um certo nó na garganta e até alguma indignação moral (li-o em 2009, em versão brasileira, depois de ter sido recomendado no Expresso pelo Nicolau Santos, que o apresentou para ilustrar por que motivo faliu o Lehman Brothers e estávamos mergulhados numa crise de proporções épicas).

Já o filme é uma barrigada de riso como não houve outra em época recente, muito à custa do excelente trabalho de representação do Leonardo DiCaprio, que compõe um Belford tão excêntrico quanto o original gostaria de ter sido, e ao savoir faire de Martin Scorsese por detrás das câmaras, garantindo uma composição final de grande nível, que suplanta o livro por vários níveis de valor.


Louca a cena em que Matthew McConaughey introduz DiCaprio na arte da corretagem vampira (keep the clients on the fair and there it goes: the party is open 24/7 365, every decade, every God damm century. That's it!), ou a da contratação dos anões para praticar tiro ao alvo (Jonah Hill não compromete e assessora DiCaprio com mão certeira), ou o episódio do afundanço do iate (do filme não consta, mas no livro ficamos a saber que Belford afundou o iate porque chegou à conclusão de que ter um barco era uma bodega sem fim e mais valia acabar com o pesadelo de vez - por que não viver a emoção de um naufrágio?) ou aquela em que, quase no final, um Belford inundado de quaaludes desmantela um Lamborghini!

O Lobo de Wall Street foi o melhor filme que vimos este ano (e não vimos nada poucos), não por tocar ao de leve na temática que nos move nesta casa, mas pela superior montagem de uma história, que pega num livro biográfico que, aparte a excenticidade dos acontecimentos que relata, nada tem de especial (o livro encontra-se num pouco vistoso 111º lugar num top de leituras N€B, que este ano registou a 400ª entrada) e a transforma num acontecimento de 180 minutos em que o cinema assume de facto a arte de entretenimento por excelência! 

Nos prémios que a academia distribui à la carte (chamam-lhes Óscares) o Lobo não ganhou nem o prémio para melhor filme (levou-o um banalérrimo filme de escravos), nem para melhor realizador (Cuarón por Gravidade - confundiram realização com montagem. Oh God!), nem o de melhor ator (foi para o McConaughey por ter a fineza de mostrar ao pessoal como se pode emagrecer até ao osso). Factos que só tornam o filme do Scorsese melhor! A última vez que eu fiquei acordado toda a noite para ver a cerimónia dos Óscares era um jovem chavalo inocente, há vinte anos atrás, e levou-me um tempo dos diabos a conseguir perceber como é que o Pulp Fiction perdeu tudo para uma cagada de que ninguém se lembra chamada Forrest Gump com o Tom Hanks a fazer de lucky retarded. Depois lá me conformei e segui em frente com a consciência de que os galhardetes que aqueles loucos excêntricos distribuem entre si não passam de estátuas decorativas.

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